O impeachment de Jair Bolsonaro

Três siglas governam a vida de qualquer presidente da República no Brasil: PPA, LDO e LOA. Muita gente pensa que isso é assunto chato que somente técnico em contabilidade deve entender. E liga o “foda-se”.

Dessa forma deixam de saber que Bolsonaro pode ser vítima de um veneno já usado para produzir o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. No caso da ex-presidente, as razões eram outras mas se alguém ler o documento escrito por membros do próprio PT verá que a causa maior passa pelas três siglas aí de cima: PPA, LDO e LOA.


O remédio do impeachment de Bolsonaro está sendo pensado para matar o paciente em vez de salvá-lo. Contam para isso com a enorme ignorância dos brasileiros que evitam LOA e adoram BBB.


Pode não ser o pior caminho. A outra opção é Bolsonaro tratar de governar quietinho, aceitando tudo. Será como  receber um carro zero quilômetro com a obrigação de acelerar fundo mas com o freio de mão puxado. Dessa forma, nem governa nem se reelege. Simples como um pato na lagoa.

A coisa começa assim

Em novembro do ano passado, o Congresso derrubou três vetos do presidente Jair Bolsonaro ao projeto da Lei de Diretrizes do Orçamento (LDO) para 2020. Todo ano, o Congresso precisa aprovar essa lei. Não pode finalizar suas atividades sem votar esse mecanismo de uso do dinheiro público.

Se num ato de loucura, o Congresso deixasse de votar a LDO todos os parlamentares poderiam ser enquadrados por crime de responsabilidade previsto na Constituição.

Mas o diabo está de olho
O diabo mora nos detalhes. A LDO resulta de um plano geral de trabalho (PPA) e determina o lado prático das coisas, determinação que toma a forma de Lei do Orçamento Anual (LOA). O detalhe é tão importante que o diabo torce para que o leitor ligue o “foda-se” quando estiver lendo esta linha. Ligando ou não, saiba que você também tem, na sua casa, uma LOA sobre a sua cabeça. Vamos a ela.

Cachorro quente ou casinha do cachorro?
Pegue o seu salário de 10 mil reais. Desse valor, você vai pagar despesas fixas, aluguel, luz, telefone, papel higiênico, talco para a bunda do nenê e, quem sabe, água em garrafões de 20 litros.

Se você decidiu que esses itens são essenciais você montou um plano geral com uma LOA embutida. Você soma tudo e dá 7 mil reais. Você tem, então, 3 mil reais para outras coisas, pizza todo fim de semana, um jogo de futebol no sábado em Itaquera ou na Ilha do Retiro, consertar a caixa d’água que pede reparos ou troca, terminar o telhado da casinha do cachorro e até, quem sabe, comprar um carrinho para vender cachorro quente.

Como vai sua LOA?

Você pode fazer o que bem entender menos mexer nos 7 mil reais. Aí você perceber que os 3 mil reais não dão nem para o cheiro se você resolver comprar o carrinho de cachorro quente ou terminar o telhado da casinha do cachorro. O que você faz? Você executa a LOA com o que tem. Se precisar de mais dinheiro, você terá de pedir ao banco ou a alguém não muito recomendável.

Muito bem, agora você já consegue entender o impeachment de Bolsonaro. Não? Vejamos:

Bolsonaro começou o governo com o orçamento aprovado pelo Congresso na gestão do então presidente Temer. E como foi que Temer chegou lá...? Com o impeachment de Dilma. Certo? Ou seja, teve de se virar nos 30 com o pacote de recursos que herdou.

Em 2019, a bordo de seu primeiro ano de mandato, o governo elaborou seu PPA (Plano Plurianual) que vale por quatro anos, de 2020 a 2023.

Se alguém estiver procurando telha para casinha de cachorro e der de cara com um PPA achará que se trata de partido político. Mas não é.

Dois pês, um pode ser de pato

O Plano Plurianual (PPA) é uma obrigação legal prevista no artigo 165 da Constituição Federal de 1988. Você pode ignorar a compra das telhas mas o presidente da República não pode ignorar o PPA

O PPA parece nome de partido porque precisa fixar diretrizes gerais e, no caso de Boslonaro, as diretrizes são: garantir a estabilidade macroeconômica; promover alocação mais eficiente dos recursos de produção e do uso de recursos públicos e, como se já fosse pouco, promover melhoria do ambiente de negócios e promoção da concorrência e inovação. Está tudo escrito e aprovado pelo Congresso, pode procurar, é a PLN 05/2019.

O retorno do demônio

Como está escrito lá em cima, em novembro do ano passado, o Congresso derrubou três vetos do presidente Jair Bolsonaro ao projeto da Lei de Diretrizes do Orçamento (LDO).

O Congresso rejeitou o veto a um dispositivo que autoriza a transferência de recursos públicos da União para entidades privadas sem fins lucrativos usarem na construção, na ampliação ou na conclusão de obras.

Bolas, por que esse veto, presidente? 

Porque a equipe econômica sabe que esse dispositivo é muito usado para desviar dinheiro público e irrigar campanhas políticas.

O segundo veto do presidente Bolsonaro (derrubado pelo Congresso) permite o uso de recursos de transferências voluntárias para o pagamento de contratos temporários em convênios celebrados com estados, Distrito Federal e municípios.

É mais uma torneira conhecida para desvios de recursos. Conforme o texto do Ministério da Economia, o pagamento de pessoal com esses recursos passa por cima da Constituição e impede o combate ao desvio de recursos públicos. Simples assim, mas os parlamentares, senadores e deputados federais, preferiram deixar a torneira bem aberta, abertona mesmo.

O terceiro veto

Acha pouco? O terceiro item vetado por Bolsonaro (mas recolocado por deputados e senadores) foi para um item que autoriza a assinatura de convênios e a transferência de recursos a municípios de até 50 mil habitantes, mesmo que estejam estejam inadimplentes em cadastros financeiros, contábeis e fiscais.

Em bom português, a medida mantida pelo Congresso dá uma espécie de prêmio aos prefeitos que fazem má administração. Na defesa da torneira aberta, os parlamentares disseram que 88% das cidades brasileiras precisam disso. Você pode ler nas entrelinhas, assim: 88% das cidades brasileiras são mal administradas.

Enfim, o impeachment

O presidente Bolsonaro havia vetado um dispositivo que obrigava o governo federal a liberar dinheiro para emendas apresentadas por comissões permanentes da Câmara, do Senado ou do Congresso e do relator-geral do projeto. Ficaria liberada apenas a execução obrigatória das emendas parlamentares individuais e, dentro de certos limites, das emendas de bancadas estaduais.

Mas o carnaval jogou água fria na votação dos vetos no Congresso. A imprensa noticia a disputa em torno do "Orçamento Impositivo", mais um dos detalhes que o diabo gosta de cultivar.

O Congresso quer derrubar esse veto. Isso significa tirar 30 bilhões das mãos de Bolsonaro e colocá-los nas mãos dos parlamentares. Simples, assim.

Só há um problema. O governo tem 126 bilhões para tudo e mais um pouco. Sem os 30 bilhões não terá dinheiro para cumprir a LOA. Se não cumprir a LOA terá dado todos os elementos para tomar um impeachment pela testa.

O ex-general e hoje político Augusto Heleno, de joelho cheio com essa história, disse em tom meio alto a frase que o tornará conhecido por todo o sempre: "foda-se". Ou seja, peita esses caras.

LOA do brasileiro

Agora você entende, certo? Daqueles 10 mil reais de salário, você terá 6% do saldo líquido para aqueles gastos todos, porque 7 mil já estão comprometidos, ou seja, você tem 6% de 3 mil reais para gastos gerais. Quanto dá? Pois é, 180 reais, um fortuna. É essa a charada do problema.

Como assim? Simples: quase 95% do orçamento federal é feito de despesas obrigatórias por lei, como aposentadorias, não há como Bolsonaro mexer nesse bolo. Assim, sobram apenas 6% para serem manejados.

O Congresso deve votar o veto esta semana. Para derrubá-lo, são necessários os votos favoráveis de 257 deputados e 41 senadores.

O caminho está desenhado: por mais um detalhes dos diabos. Se Bolsonaro quiser um pacote de acréscimo, contando com o orçamento do ano que vem, terá de pedir autorização ao Congresso... E o cachorro vai ficar correndo atrás do rabo...

A outra consequência também é perceptível: Bolsonaro terá de governar por quatros anos acelerando um carro zero quiômetro mas com o freio de mão puxado. Nem governa, nem se reelege. 

Simples como o demônio em dia de chuva.

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