Os erros de Bolsonaro

Presidente deixou a comunicação na mão de amadores


Uma das primeiras ações do hoje calado ministro Sérgio Moro foi chamar os governadores para conversar. O assunto era combate à corrupção. Nenhum deles poderá dizer que foi ignorado ou não foi consultado.

O presidente Bolsonaro teve, bem diante dos seus olhos, um exemplo de como um “novato” começava bem uma missão política e sem se vender ou ficar na mãos da tigrada que governa os estados.
Pior, na sequência de ações do ministro, o presidente aceitou uma encomenda parlamentar destinada a tirar a Segurança Pública das mãos de Moro.

Os erros de Bolsonaro já o colocaram um pouco nas mãos do STF, depois mais um pouco nas mãos do Congresso e, agora, o estão levando a ficar nas mãos dos governadores.

O diagnóstico pode ser bem doído mas é uma grande verdade: Bolsonaro comete erros amadores na comunicação, pessoal e institucional.

Comunicação não é somente produzir notícias, não é só cobrar isenção das empresas jornalísticas, não é dar espaço a um grupo e se afastar de outro apenas com base no princípio de que faz um governo honesto.

Comunicação é estratégia de gestão. Mas nisso Bolsonaro não está sozinho. Qualquer vereador de penúltima categoria afasta a comunicação profissional porque percebe que profissionais podem até fechar os olhos mas continuam sendo profissionais.

Evitando incêndios

E comunicação governamental é coisa para profissionais.
A comunicação institucional é um conjunto de ferramentas que servem mais como bússola apontando o norte verdadeiro.
E com base em que a bússola aponta o norte? Em estudos de cenários, em preparação para lidar com “issue management”, expressão que na comunicação empresarial a gente chama de “evitar incêndios ou apagá-los de forma rápida, eficaz e inteligente”.

Não é à toa que João Doria ocupa espaços importantes. Tendo contra si as marcas de executivo de executivos, Doria vê as brechas na comunicação amadora de Bolsonaro e delas se aproveita.

Podemos detestar João Doria mas o homem está mais para ACM do que para FHC.

Uma formuleta básica

Alguém já perguntou o que Bolsonaro poderia ter feito. Em primeiro lugar, estabelecer uma comunicação profissional. Quer calar as críticas de empresas jornalísticas injustas? Leve para o comando da comunicação o melhor dos profissionais do setor. Lembrete: Alexandre Garcia foi chefe do setor no governo do último general presidente, João Batista Figueiredo.

Um monte de bobagens dos filhos e do próprio Bolsonaro teria sido evitado.

No caso específico do combate ao espalhamento do coronavírus: houve alguma montagem de cenários quando a pandemia foi anunciada em janeiro? O que disseram e fizeram os governadores? Quem mapeou e fez desse material conteúdo estratégico?

Tivesse apenas isso em mãos, Bolsonaro poderia ter chamado todos os governadores antes do carnaval. Alinharia medidas práticas e de cunho regionais. O Brasil não é só Ipanema ou avenida Paulista.

Ficaria assim em posição de comando, podendo cobrar medidas. Mas ficou refém do governador de São Paulo a partir do momento em que vazou o áudio do cardiologista Fábio Jatene. Foi a partir desse momento que as ações federais se sucederam num ritmo de bêbados batendo cabeças.

Para um profissional da área, como João Doria, ficou bem fácil armar um cerco, colocar-se no centro do palco como uma missão muito mais importante e que Bolsonaro parece não ter percebido: Doria quer substituir Lula como elemento polarizador.

Dessa forma, o governador de São Paulo tem vários dados em mãos, baseado sempre numa comunicação estratégica. Um exemplo: São Paulo responde por 39% do PIB brasileiro, coisa de 1 trilhão de reais. Doria sabe que pode paralisar o país mexendo alguns cordões e apertando certos botões. Chamem Doria de todo tipo de predicado negativo mas não digam que o homem é amador.

Ao substituir Lula por Bolsonaro, Doria começa a colocar em pauta no cenário nacional uma espécie de “um novo jeito de fazer as coisas”. O eleitor de São Paulo já o conhece mas isso não quer dizer muita coisa no longo prazo.

Bolsonaro hoje dá entrevistas em que mostra aflição e desespero, está sempre na defensiva, sempre irritado. Está pagando o preço de ser amador e não perceber. É um bom sujeito, honesto, tem compromissos importantes para melhorar o país mas não tem ninguém na sua assessoria que lembre a ele o que foram os três anos de João Goulart depois que Jânio Quadros renunciou.

Goulart foi emparedado por todos os lados, passou os anos 1961 a 1964 em crise.

Bolsonaro tem pela frente um cenário melhor mas que vai se encurtando a cada dia. Não foi para evitar crises idiotas que ele levou para o governo um grupo de generais, tidos como conhecedores da realidade brasileira e bons estrategistas?

No entanto, os militares estão quietos. Não aceitarão dar outro golpe. Estão silenciosos por falta de opção ou por estratégia?

Não há estado de emergência que dure muito. Ninguém aguenta. 

Doria tem um calendário eleitoral nas mãos, pode suspender o estado de isolamento a hora que desejar. Sairá dizendo que fez a melhor opção e não se sujeitou ao governo federal. Será seguido por outros governadores. 

Estará selada mais uma forma de emparedamento de Bolsonaro. Parodiando Dostoievski, “Bolsonaro é um bom sujeito mas tem a cabeça atormentada por amadorismos”.

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