As duas mortes de Marshall Berman no Brasil

 

 


Brasília é das coisas mais horrendas produzidas no Brasil.

Sempre pensei que era implicância minha desde que, 29 anos atrás, dirigindo filmagens para uma produta de São Paulo, tive de passar alguns dias correndo atrás de políticos para recolher depoimentos.

Uma amiga, do falecido Jornal da Tarde, ajudou fazendo com que um senhor já meio careca, de óculos, fino trato, me levasse pelos corredores do Congresso e me colocasse diante daquele que seria o novo ministro da Previdência Social.

Nome do senhor que me ciceroneou: Geraldo Alckmin, o mesmo que poucos meses depois renunciou ao mandato de deputado federal para assumir o governo de São Paulo, a 1º de janeiro de 1995, na condição de vice de Mário Covas.

Há em Brasília aquela luz impressionante ao amanhecer, vista do hotel lá pelas 7 da manhã ou no final da tarde. Mas aquilo é Goiás onde quer que se esteja.

Andar por Brasília é sentir um remeximento, um rancor, uma interrogação aflita sobre algo que não se percebe direito.

E assim foi até 2007 quando se lançou no Brasil uma nova versão do livro de Marshall Berman, “Tudo que é sólido desmancha no ar”. Já já explico por que essa edição e não outra. Não confundir com outro livro de mesmo nome escrito por Darragh McKeon, lançado em 2023.

Quando esteve no Brasil, Berman ainda era um homem triste, claramente desde que sua mulher (uma psicótica) matou o filho de cinco anos, indicação indireta que aparece na primeira página do livro: “À memória de Marc Joseph Berman — 1975-1980”. Vestia-se mal, não fazia barba, andava de sandálias.

Foi esse homem triste que mostrou aos brasileiros o resultado da praga mental socialista que contaminou os dois arquitetos que projetaram a cidade (Lúcio Costa e Oscar Niemeyer): Brasília, a capital brasileira da cocaína. É um monumento à solidão, ao distanciamento e aprisionamento dos espíritos.

Logo ele, um estudioso marxista, Berman foi convidado para falar em seminários sobre modernismo, começando por Brasília. Depois esteve na USP (São Paulo). Por onde passou foi atacado por aquela penca de gente pendurada nos bagos de Niemeyer e seu socialismo de uísque 30 anos.

Sempre achei Niemeyer um grande chupim estratégico, de um nível um pouco acima de um bando de funcionários públicos municipais que vivem pendurados nas costas do contribuinte brasileiro, defendendo um socialismo cujas consequências desconhecem.

Para o caso de alguém desejar conhecer todo o texto, que vai da página 11 à 20, é bom saber que o texto de Berman não aparece na primeira edição brasileira, de 1986, mas somente no prefácio da edição de 1988 (quase de bolso, Companhia das Letras, 2007, 465 páginas) sob o título “O Caminho Largo e Aberto”.

Berman chegou a reconstruir a família, teve mais dois filhos. Morreu em setembro de 2013 quando sofreu um ataque cardíaco enquanto comia em um restaurante de Nova York. Ele não poderia imaginar que no dia 8 de janeiro de 2024 parte do que ele escreveu sobre Brasília estaria ocorrendo com os requintes de autoritarismo e golpismo tramado nos bastidores da poliarquia brasileira.

O que vai escrito abaixo, ipsis litteris, foi praticamente “apagado’ nas resenhas brasileiras. Foram anos procurando e nunca encontrei um único artigo, mesmo acadêmico, que colocasse os tópicos relacionados à Brasília em algum plano. Apenas Charlles tocou no assunto, em seu blog, em março de 2011 (http://charllescampos.blogspot.com/2011/03/berman-brasilia-niemeyer-e-marc.html). Nem mesmo marxistas assumidos fazem menção em seus escritos.

Resulta que Berman sofreu no Brasil duas mortes. A primeira em vida, ativo e presente. A segunda como mero necrológio.

Aí vão os principais trechos com casca e tudo. Repito, o texto é original, não há uma única vírgula minha no que vai reproduzido abaixo:

“”””Tive a oportunidade de vivenciar e mesmo participar de um choque muito intenso entre modernismos quando estive no Brasil em agosto de 1987 para participar de um debate sobre o presente livro. Minha primeira escala foi Brasília, a capital criada por decreto, ex nibilo, pelo presidente Juscelino Kubitschek, no final dos anos 1950 e início dos anos 1960, exatamente no centro geográfico do país. A cidade foi planejada e projetada por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, discípulos esquerdistas de Le Corbusier. (página 12)

“”””Vista do ar, Brasília parecia dinâmica e fascinante: de fato, a cidade foi feita de modo a assemelhar-se a um avião à jato tal como aquele do qual eu (e quase todas as outras pessoas que lá vão) a vemos pela primeira vez. Vista do nível do chão, porém, do lugar onde as pessoas moram e trabalham, é uma das cidades mais inóspitas do mundo

“”””Não caberia aqui uma descrição detalhada do projeto da cidade, mas a sensação geral que se tem — confirmada por todos os brasileiros que conheci — É à de enormes espaços vazios em que o indivíduo se sente perdido, tão sozinho quando um homem na Lua. Há uma ausência deliberada de espaços públicos em que as pessoas possam se reunir e conversar, ou simplesmente olhar uma para a outra e passar o tempo. A grande tradição do urbanismo latino, em que a vida urbana se organiza em torno de uma grande praça, é rejeitada de modo explícito.””” (páginas 12 e 13)

“””O projeto de Brasília talvez fizesse sentido para a capital de uma ditadura militar, comandada por generais que quisessem manter a população a certa distância, isolada e controlada. Como capital de uma democracia, porém, é um escândalo. Para que o Brasil possa continuar democrático, declarei em debates públicos e aos meios de comunicação, ele precisa de espaços públicos democráticos aonde pessoas vindas dos quatro cantos do país possam convergir e reunir-se livremente, conversar umas com as outras e dirigir-se a seus governantes — porque numa democracia, afinal de contas, o governo pertence às pessoas — para discutir suas necessidades e desejos, e para manifestar sua vontade.””” (página 13).

“””Em meus pronunciamentos no Rio, São Paulo e Recife, terminei atuando com porta-voz de uma indignação generalizada a respeito de uma cidade que, como muitos brasileiros me disseram, não tinha lugar para eles.”””” (página 14).




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